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Uma Viagem para Dentro

26 de agosto de 2018

Eu me mudei da casa dos meus pais quando tinha 18 anos e desde então sempre viajei muito, principalmente a trabalho. Trabalhar com agronegócio me deu a incrível oportunidade de conhecer praticamente todos os Estados do Brasil. E justamente por morar longe da minha família, quando tenho chance de fazer uma viagem a passeio acabo escolhendo por passar alguns dias perto deles.

No entanto, há alguns dias atrás eu fiz uma viagem muito especial acompanhado do meu filho, e essa foi uma viagem diferente. Depois de dez anos eu voltei para visitar a cidade onde eu fiz faculdade: Londrina, no Paraná. Reencontrei minha grande amiga, agora casada e com filhos também, passei em frente aos lugares onde morei, tive a alegria de ver nossos filhos correndo pelo campus onde estudamos e isso tudo foi muito emocionante. 

Mas tão ou mais importante do que esse resgate nostálgico de uma época, eu me vi observando tudo com aquele mesmo olhar de criança, que guarda na lembrança a imagem de algo muito maior do que a realidade se mostra. Mais do que relembrar histórias, foi especialmente reconfortante relembrar quem eu era quando cheguei lá e quem eu saí quando fui embora. Não foi uma viagem no tempo, mas sim uma viagem para dentro.

Quando eu decidi prestar o vestibular em Londrina, eu já tinha iniciado um curso de graduação em publicidade e propaganda na minha cidade, mas que não tinha correspondido às minhas expectativas. Decidi que era hora de desbravar outros mundos, ir além das fronteiras familiares e ver o que tinha do lado de lá.

De repente, tudo novo. Cidade, pessoas, costumes, faculdade. Mas a cabeça, os hábitos, o way of life ainda estavam funcionando no modo antigo. E levou um bom tempo para adaptar esse novo mundo de fora ao mundo de dentro, e vice-versa.

Na verdade eu nem sabia que existia alguém dentro de mim, nunca tinha precisado olhar para dentro para entender o mundo do lado de fora. Nunca tinha lidado de forma tão intensa com os sentimentos, sejam eles bons ou ruins. Nunca tinha me dado conta de que meus farelos de pão não sumiam sozinho da mesa e que a presença deles poderiam incomodar alguém.

Ali eu aprendi a me virar sozinha, a entender o espaço do outro, o valor do dinheiro, da disciplina, da resiliência, da amizade, do amor próprio. Vivi intensamente o fato das pessoas não me conhecerem como eu achava que me conhecia, e a partir disso ter que lidar com julgamentos e interpretações sobre quem eu era. E nesse momento entrar em parafuso sobre quem eu realmente era. Questionar minhas certezas, aceitar minhas inseguranças, me apresentar novamente ao mundo sem o arcabouço familiar que me protegia e me definia. Ali eu comecei a melhor das viagens: a de descobrir, afinal de contas, quem era a Marina.

Comecei a entender que as pessoas são na verdade histórias, que se quer conhecê-las é preciso ter a disposição de assistir a um filme e não apenas uma foto de um momento. E anos depois eu compreendi, aceitei e passei a praticar melhor a empatia, a compaixão e o perdão.

Ali eu cheguei sem saber o que me aguardava e fui embora agradecendo pelo que levava dentro de mim. Ali eu comecei a me entender como um ser que tinha vida além dos meus pais, que os problemas deles não eram necessariamente meus, e vice-versa.

“Eu vim do avesso | reverso do que é aceito | ninguém sabe tudo | nada é perfeito | eu escuto fora | com ouvido de dentro | eu me alimento | do meu silêncio”. (Sinto Encanto – Paulinho Moska)

Eu encorajo todas as pessoas a viverem uma experiência como essa, de sair da sua zona de conforto e ir viver algo completamente novo. Morei em pensionato com 10 meninas, que foi assaltado no primeiro mês. Depois mudei para outro pensionato com metade meninas e metade meninos. Dividi apartamento com 3 amigas. Mudamos de apartamento 3 vezes. Morei sozinha.

Tive uma anemia tão aguda que quase precisei fazer transfusão de sangue. Aprendi a cozinhar meu próprio bife de fígado e a comer direito tudo aquilo que minha mãe falava que era importante. Meu primeiro salário no segundo ano de faculdade foi uma bolsa de estágio meio período de R$ 138,00. E eu fazia milagre com esse dinheiro todo! Mas também houve meses em que cheguei no dia 20 sem dinheiro para comprar um sabonete sequer.

Nessa época meus pais me mandavam dinheiro para que eu pudesse pagar minhas despesas. Um dia eu liguei para minha mãe e perguntei se ela poderia me adiantar R$ 50 do mês seguinte. O tempo era de vacas magras e ela, com muito pesar, disse que não teria como. Não levou muito tempo e ela me disse que não teria mais como me enviar esse dinheiro por mês durante algum tempo, as coisas tinham apertado por lá. A mensagem que ficou para mim foi: ou você assume o comando da sua vida e se mantém por si só, ou então seria hora de fazer as malas e voltar para casa.

Como Deus não tira uma coisa sem nos dar outra, eu havia participado há alguns meses antes de um processo seletivo dentro da empresa onde trabalhava. Era o chamado Prata da Casa. Eu tinha entrado na empresa como estagiária e após um ano e pouco tinha sido efetivada como assistente. A vaga era para trabalhar no departamento de Trocas como assistente de commodities. Cheguei como finalista do processo, no entanto, o gerente da área optou em dar a oportunidade para uma outra menina que ainda era estagiária e que tinha um grande potencial a ser desenvolvido.

Continuei na minha área de gestão da qualidade e passados alguns meses essa menina, com quem inclusive fiz amizade dentro da empresa, me procurou dizendo que estava saindo da empresa. Ia fazer um intercâmbio e me perguntou se eu ainda teria interesse naquela vaga. E assim eu vivi um momento “serendipidiano” como bem explica o mestre Tejon em sua obra os Guerreiros não Nascem Prontos:

“Os três príncipes da lenda de Serendip viviam “sempre a descobrir, por acidente e sagacidade, coisas que não procuravam”. As crises e os incômodos são ótimos estímulos “serendipidianos”, pois nos forçam ao movimento e à busca do novo para reconstruir o desarranjo. Essas coisas só assimilamos pela fé. E fé representa ausência de dúvida”.

Sem saber ali estava a grande chance da minha vida, de conseguir me virar sozinha, de continuar em frente com meus sonhos e aprender sobre a área que iria me realizar profissionalmente depois. Aprendi o que era trabalhar, o que era mérito, o que era cooperação. Tive minha primeira promoção, primeiro aumento de salário, primeiro notebook da empresa, primeira viagem de avião! Comprei meu primeiro carro e tive a primeira iniciativa empreendedora com dois amigos: fazer o georreferenciamento rural segurando um GPS de caminhão na mão, sentada na caçamba da caminhonete enquanto um deles metia o pé no acelerador. Comi muita poeira, muita!!

Vivenciei que o todo é soberano frente ao individual. Que juntos somos maiores, mais fortes. E tive muitos exemplos para acreditar nisso. Certa vez, nessa mesma empresa havia um programa de remuneração variada, com o pagamento de bônus pelas metas alcançadas. Como eu era assistente, não tinha direito a essa premiação. No entanto, meu chefe fez com que cada um daqueles que haviam recebido a premiação me desse uma contribuição simbólica como forma de reconhecimento pelo nosso trabalho em equipe.

Conhecer e conviver com pessoas tão diferentes, e ao mesmo tempo semelhantes a mim, foi a parte mais engrandecedora desta profunda jornada. E como novamente bem descreve o mestre Tejon em sua obra:

“Guerreiros não nascem prontos. Guerreiros são esculpidos pelas relações humanas que exercitam. Guerreiros assumem o comando do seu preparo quando passam a escolher seus mestres, as pessoas, e passam a ter a consciência viva de aprender com outros seres humanos”.

Essas lições e muitas outras são as que ficaram guardadas para sempre e que se solidificaram como base forte do que me tornei hoje. Precisamos desenvolver a capacidade de ressignificar nossa história face a quem somos hoje, depois de viver novas experiências e ampliar o nosso campo de observação. Precisamos agradecer às pedras no caminho que aparecem em forma de muitos nãos, pois sem elas não teríamos aprendido a replanejar o trajeto e a encontrar alternativas de como supera-las. Só não podemos cometer o erro de nos apegar à elas.

Talvez não saiba descrever ao certo todas estas lições que Londrina me proporcionou ao me acolher de tantas formas por sete anos. Entretanto, sei ao menos reconhecer que lá foi o divisor de águas na minha vida, e que desde então eu nunca mais tentei entender o mundo de fora sem antes olhar primeiro para o meu mundo de dentro, estando sempre aberta a viver mais e mais momentos “serendipidianos”.

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